27 de outubro de 2009

Conversa


Sabes aquelas igrejas enormes, que ecoam por todos os seus recantos e emitem estalares em cada passo que dás, sem saberes bem de onde provém esse som? Pois bem, um dia destes, entrei numa igreja dessas.

Os meus saltos altos ressoaram "pocs-pocs" no chão marmoreado, que devem ter incomodado quem queria parar para conversar em silêncio, mas não conseguia. Eram barulhos secos mas altos, tal como a distância dos meus passos, que me levaram para um daqueles bancos longos, corridos, com cheiro a cedro. Sentei-me... teimei em manter as pernas cruzadas, inocentemente uma junto à outra enquanto a cabeça tombava ligeiramente para trás elevando o meu queixo ao alto... tornei-me altiva. Fechei os olhos e quis também conversar. Tudo olhava para mim, com aqueles olhos vazios de muito, adorados por velas de som fingido a crepitar aos seus pés.

Mantive-me imóvel enquanto nas minhas costas o som ondulante e metálico das moedas mergulhavam na caixa.

Oremos então.

19 de outubro de 2009

búzio


Cheirava tanto a mar, que o barulho das ondas ficava camuflado por aquela mistura de rodófitas e sal. A janela aberta, de cortinas corridas, deixava entrar a luz que chegava aos olhos e tornava-me mais atenta, mais desperta, mais entregue. O azul da imensidão não se misturava comigo mas bailava nos meus olhos de forma estonteante. Saí lá para fora... para sentir melhor, para me aproximar do que via. E foram as tábuas, por baixo dos pés - passadeiras intensas de madeira recortada por espaços de vertigens - que me conduziam por caminhos de descoberta e de proximidade com o som camuflado que se derretia na areia da praia. E foi assim, ficar sentada e deixar que o mar me inundasse os sentidos.

16 de outubro de 2009

Ir

nunca vou onde não quero ir.

mas acontece, às vezes, revisitar lugares, repisar a mesma calçada e dançar ao som da mesma música.

nesses momentos apetece-me desenhar traços do que vejo, mas nunca saem bem... pois a música continua a ser a mesma, a rua continua a ter as mesmas pedras, o corpo é que se desenha de forma diferente.

9 de outubro de 2009

Mala


Tu leste-me em imagens, mas eu sou só minha.


Entrei, despi o corpo e descarreguei as malas ainda na porta de entrada.


Quero-me quieta.


Deixa-te ficar também parado.


Pergunta-me só se quero um sonho contigo.

8 de outubro de 2009

Boca do Corpo

Aqui é ainda escuro e deixei de gemer para mim. Soltei a boca do corpo e deixei-a mover e voar bem mais alto, em gritos pousados na almofada riscada.
A anca torce-se numa torção da procura e a mão procura a textura da pele na totalidade do toque que agarra, que espreme, que possuí, que aperta a garganta.
Sabe bem sentir o peso do corpo cobrir-nos completamente, numa fusão a dois quase perfeita, onde a perspicácia do movimento ganha actuação. Somos dois actores, num palco construido à medida dos nossos braços abertos, dos nossos corpos que se amassam e espremem.
Falta ainda tanto para o fim e o melhor de tudo é esperar.

6 de outubro de 2009

O vento ralha

Parece que o vento quer ralhar hoje...

... ralhou com o meu cabelo logo de manhã, despenteou-o
... ralhou com a água do rio, baloiçou-a
... ralhou com a copa da árvore lá no quintal, arrancou folhas
... ralhou com a água que caíu do céu, baralhou-a

Continua a ralhar, estou a ouvi-lo