6 de abril de 2010

Livraria

Quantas letras cabem aqui?
Quantas cabem nas forras destas paredes vestidas de lombadas coloridas e permeabilizadas de títulos, sub-títulos e nomes efémeros, cuja temporada de permanência é galardoada pelo pó, movimentada pelas mãos que lhes pegam e embalada pelos olhos, que acham palavras, risos, nas ilustrações das capas.
Quantos textos cabem aqui?
Cabem nas mãos cheias de vontades, nos olhos curiosos de quem lê, de quem constrói uma nova história sobre a imaginação de outra.
Puxa então uma cadeira, poisa os pés no chão, deixa a cabeça imaginar acompanhando o compasso das páginas.

1 de abril de 2010

Um eléctrico chamado desejo

Lia Costa Carvalho


Ela estava encostada à porta desengonçada de ferro.
Ele estava sentado no banco corrido, suportado por traços de madeira escura.
Não se conheciam.
Não se apaixonaram.
Apenas apanharam o mesmo eléctrico, lento, demorado, estratega nos carris que despertavam a estrada.
Ela gostou da boca dele.
Ele gostou do cabelo sedutor dela.
Os olhos apalpavam a pele de cada um, enquanto o sorriso espremia a pele de encontro às pessoas, que se seguravam como podiam dentro do eléctrico.
Não houve toque.
Nem sequer se tocaram.
De qualquer forma, porque o baloiço do eléctrico o permitia, despiram-se um para o outro.