30 de julho de 2010

O livro cheio de pó é fechado apenas com uma mão. Solta-se esperança.

As letras zangam-se com as palavras e as palavras apertam-se nas frases, mas o texto permanece lido, na perfeição dos recortes das páginas amarelas, rugosas de cheiro antigo e nódoas que transmitem solidez, solidão, sensatez.


Curva-se entre os outros na estante e sacode-se, ganha o seu lugar de destaque, o destaque de quem acabou de ser lido, de quem acabou de fazer dançar a imaginação no texto, na amálgama de letras que trespassam os contos.


Hoje sou também assim. Estou também assim. Um livro arrumadinho no espaço da estante, nos espaçamentos das entrelinhas e nas translineações mal amanhadas.
Amanhã serei uma enciclopédia, onde a informação é tanta que me deixo de perder para achar a possibilidade de me ler.


foto: ana machado

15 de julho de 2010

Mil cores



Quando as voltas pareciam que já tinham acabado eis que um novo movimento recomeça. São luzes, são sons, são risos e medos que desenham o momento circular, de cabeça à roda e vontade de acabar depressa com as cócegas e borboletas que voam na barriga e não vão para lado nenhum. São voos pautados de música de CD riscado contínuo, incessante na loucura da permanência das voltas completas das cores, dos cavalos de cauda riscada.

Experimenta-se o barco, depois a mota de farol partido e o corpo prepara-se para a aventura num avião de asa imóvel movido à vontade de um girar rotativo. Quebra-se a magia no detalhe, na atenção das cores a ilustrarem o desenho do todo girante. O chão tem um relevo que nos desliza mais ainda na intensidade das cores.

Mais uma volta. Mais uma senha. Mais um movimento repetido.

9 de julho de 2010

Quente

As sandálias vão na mão, entrelaçadas com os dedos.

Os pés vão nus, calcando o cimento quente, que reconforta o corpo e o aquece da sua nudez transparente.

As pessoas cruzam-se, miram-se sem acenos, só sorrisos, só caras que reflectem o mesmo quente do chão que eu também estou a sentir.

Chegou o tempo do quente do corpo, tempo de aliviar a cama e espreguiçar com os pés.

2 de julho de 2010

rua

Estou farta de subir a métrica da rua... merda de rua que tropeça nos pés e descalça os tropeções que não me deixam passar. Estou farta... rua cinzenta de palidez escura e agonia com sabor a uma velocidade constante, sem atropelos, sem ultrapassagens, sem querer passar e virar à esquerda. A estrada corta caminho na minha rua, desenha-a a ferro espesso de alcatrão, explorando o seu centro, de dentro para fora, de quente que queima os pés, que fode a consciência se a queremos passar longe da segurança da zebra, recta, firme, palpitante pintada no negro ferro de alcatrão borbulhão e enrugado. Quero passar para o outro lado do passeio. Quero sair, sentir os pés tropeçarem nos paralelos e agarrar-me às paredes da rua sem cair nas unhas desta nova rua para onde quero passar. Parem os carros... PAREM. Mando eu!