7 de maio de 2010

É o entra e sai organizado no caos do interior ocre de madeira. As pessoas entram, sentam-se, desviam-se, abrem as janelas, validam os bilhetes, parecem todos indiferentes mas o ocre une-os, embala-os num caminho onde os sons, as pessoas que passam lá fora e a roupa estendida à janela os une, os torna viajantes de bancos de madeira corridos, orquestrados por tábuas lisas e envernizadas, onde as nádegas brincam ao escorrega e as mãos agarram-se onde chegam.
As paragens fundem-se no caminho, não são paragens, não são chegadas, são momentos contínuos entrelaçados com o que é esperado para quem desce os degraus altos e esbarra com os pés na calçada branca, recortada ao acaso.
Descem as pessoas com sacos de plástico, abortando frutas, vegetais, necessidades mais tarde necessárias... empurram os turistas, carregados de máquinas flashadas, de curiosidades desnecessárias mas precisas, que os flashes captam, cristalizam e guardam.
A campainha toca, o eléctrico trava, alguém se encosta a nós, alguém grita alto "andem para a frente... para o fundo, dêem espaço... há aí lugar para uma senhora com um bebé?", mas não há espaço, os pés arrastam-se no chão rugoso de metal, os lugares são cativos, o corpo não mexe, preguiçoso mantém a mesma lamúria à janela com alma para a rua. Cruza-se outro vizinho amarelo-metal, os olhares são cúmplices, são viajantes em carris que balançam, há cumprimentos, paixões aceleradas pela rapidez da partida para uma chegada impossível, pois ele nunca chega, nunca parte, quase nunca padece do corpo metálico, apenas circula, desvia-se dos pombos suicidas e esventra o caminho à chegada de cada nova pessoa que sobe, entra, valida e cativa o seu lugar.