31 de dezembro de 2010
pé da cama
Arrasto os chinelos até aos pés ao pé da cama. Calço pachorrentamente cada um deles. Os dedos serpenteiam no fofo do quente que amacia a pele.
Levanto o corpo e ele baloiça agoniado. A cabeça gira nas paredes do corredor e as luzes vão iluminando o meu pensamento.
A campainha parou de tocar, eu deixei de querer abrir a porta. A curiosidade levou-me de volta e os chinelos pararam ao pé dos pés da cama.
2 de agosto de 2010
cheiro dos sonhos
Desce, sobe, desce, vira o CD na aparelhagem, tira e volta a pôr e a música toca noutra musicalidade.
Limpa, arruma, limpa e o chão brilha à passagem da sola fofa do pé, dedos que se arrastam no chão de verniz de tábuas corridas fortes e lassas. Cheira ao cheiro dos sonhos que a arrumação não tolera e as portas batem nos quartos vazios de gente e cheios de futuro, de sonhos dos outros, de pés que vão entrar e arrastar-se nas tábuas corridas do corredor, calcanhares que carregam no chão, deixando moldes recortados por presenças de carne.
Fecha a porta devagarinho... shiu... deixa o cotão adormecer no canto e a corrente de ar encolher-se na fresta da porta... deixa a vassoura empurrar a vontade de encontra os móveis, varre, alisa, varre, enxuga...
Mais uma volta no corredor auto-estrada, onde as linhas rectas da madeira, são os carris que aceleram o movimento do corpo.
Estende, bate, estende, coloca as molas pálidas com as pontas do dedo nas peças que pingam água, que pingam cor para o sol.
Fecha a varanda, fecha a porta, abre a rua. Vem. Shiu, a lua fica a tomar conta da casa.
30 de julho de 2010
pó
As letras zangam-se com as palavras e as palavras apertam-se nas frases, mas o texto permanece lido, na perfeição dos recortes das páginas amarelas, rugosas de cheiro antigo e nódoas que transmitem solidez, solidão, sensatez.
Curva-se entre os outros na estante e sacode-se, ganha o seu lugar de destaque, o destaque de quem acabou de ser lido, de quem acabou de fazer dançar a imaginação no texto, na amálgama de letras que trespassam os contos.
Hoje sou também assim. Estou também assim. Um livro arrumadinho no espaço da estante, nos espaçamentos das entrelinhas e nas translineações mal amanhadas.
Amanhã serei uma enciclopédia, onde a informação é tanta que me deixo de perder para achar a possibilidade de me ler.
foto: ana machado
15 de julho de 2010
Mil cores
Experimenta-se o barco, depois a mota de farol partido e o corpo prepara-se para a aventura num avião de asa imóvel movido à vontade de um girar rotativo. Quebra-se a magia no detalhe, na atenção das cores a ilustrarem o desenho do todo girante. O chão tem um relevo que nos desliza mais ainda na intensidade das cores.
Mais uma volta. Mais uma senha. Mais um movimento repetido.
9 de julho de 2010
Quente
Os pés vão nus, calcando o cimento quente, que reconforta o corpo e o aquece da sua nudez transparente.
As pessoas cruzam-se, miram-se sem acenos, só sorrisos, só caras que reflectem o mesmo quente do chão que eu também estou a sentir.
Chegou o tempo do quente do corpo, tempo de aliviar a cama e espreguiçar com os pés.
2 de julho de 2010
rua
7 de junho de 2010
Pastéis de Bacalhau
E a barriga, pálida e mole continua encostada ao fogão. Agitam-se as mãos no enrolado de massa vestida pelo tilintar das colheres. Formam-se... ajeitam-se... deitam-se no azeite quente do amarelo e rebolam-se agitados, a escaldar.
E o avental continua sujo, amachucado de encontro ora ao balcão, ora ao fogão. A boca resmunga frases soltas de desprazer, marteladas pelo cheiro a fritos, que se inebria no cabelo e se acomoda por debaixo da pele de tal maneira que, por muito sabão onde a pele escorregue, o cheiro casou, faz parte, enamorou-se da dona dos pastéis de avental.
A campainha toca. Os pastéis deixam de navegar no quente. Repousam no papel. A mão é limpa à pressa no avental e a boca grita "Já vai". E foi. A porta abre-se. A encomenda quente, de cheiros, de sabor, de pastéis, é entregue, é trocada por um alívio de esta já está. A porta bate. Volta a ouvir-se a batida das colheres na tigela. Há mais pastéis a mergulharem.
2 de junho de 2010
BCN
7 de maio de 2010
4 de maio de 2010
Found You
Vamos experimentar o prazer de sentir a loucura um do outro, palmilhando a cidade, galgando cada um dos paralelos da estrada, entrando e saindo do nosso ascensor.
Vamos deixar a boca provar, pingos de gula, no deleite dos trejeitos do corpo.
Vamos.
6 de abril de 2010
Livraria
1 de abril de 2010
Um eléctrico chamado desejo
Ela estava encostada à porta desengonçada de ferro.
Ele estava sentado no banco corrido, suportado por traços de madeira escura.
30 de março de 2010
Praça
25 de março de 2010
Parcelas de mim foram devolvidas em objectos, fotografias e cartas. Outra parte foi devolvida ao passado.
O cheiro de cada um daqueles objectos, atirados e quase esventrados dentro do caixote semi-encerrado já não deixa espaço ao tempo, deixa apenas apagá-lo e perturbar por pequenos momentos, fracções de memórias trazidas ao concreto, às cores do presente.
Estes pedaços de quase nada ficam então guardados. Um dia servirão para forrar a história do passado.
Descobri hoje que o fim não tem fim, é apenas a continuação em sentidos antagónicos.
18 de março de 2010
15 de março de 2010
De que cor é a praia?
José Filipe
- Oh Mãe... de que cor é a praia? Cheira a amarelo, um amarelo que torra a pele de luz, mas vejo-a mais azul... é azul. É azul mãe?
- É da cor dos gritos das crianças a rirem. Tem os tons do creme da maresia dos bolos de côco de jornais derretidos ao sol da areia molhada... tem a cor de tudo.
Vá, senta-te aqui para secares e não encheres o fato de banho de areia.
- Só mais um mergulho, mais um bocadinho e já venho.
11 de março de 2010
5 de março de 2010
Descobertas
1 de março de 2010
Sapatos Vermelhos
22 de fevereiro de 2010
Fábulas
Era uma vez...
As escadas conduzem a um local mágico de cor e transpiração de momentos.
Há ocre, há laranja, há tons quentes, que encerram sofás confortáveis e mesas achadas num mundo de fantasia, aqui ao lado.
O cheiro do quente, conforta o corpo num sofá esticado e o requinte do chá povoa a língua e vai despertando o corpo, que se enterra caprichosamente ainda mais nas almofadas fofas do sofá.
As pernas cruzam-se, o corpo ganha elasticidade e os pés são descalços de apertos... os sapatos vermelhos ficam a repousar no chão, debaixo da mesa com cheiro a madeira.
Tudo faz sentido agora. O momento é de paladares e as mãos tocam-se em provas de boca silenciosas.
Gostei de ter lido, de provar cada migalha da história por contar, enquanto as velas iluminavam o livro.
15 de fevereiro de 2010
lua
10 de fevereiro de 2010
5 de fevereiro de 2010
- Gosto de ti porque sabes a fruta de Verão, quente que refresca.
- Dá-me a tua mão, deixa-a pousada na minha e fecha os olhos. Fecha!
- Fechados.
- Desliza sobre mim, não me toques, apenas desliza e afaga-me o corpo sem me sentires, imagina, sim, imagina.
- Dou-te a minha mão. Faz dela tudo o que quiseres. Deixa-a entrar por baixo da tua roupa, deixa-a pousar no teu abraço.
- Deixo. Deixo-a tudo isso. Mas só quando a sentir. Agora ela ainda não me toca.
3 de fevereiro de 2010
2 de fevereiro de 2010
texto
29 de janeiro de 2010
Loja
Abre às 9horas. Quando o sol se atrasa, abre 5 minutos mais tarde, nunca mais do que isto. As portas ficam escancaradas e a luz penetra em todas as loiças e brilhos. O primeiro a chegar, cuidadosamente, transporta para fora de portas as cores berrantes, florescentes e chamativas dos baldes de plásticos e alguidares. Os guarda-chuvas ficam ponteados à porta, espetados num balde e rotulados a 3 euros. 3 euros escritos a marcador vermelho, grosso e bem visível, que atrai em dias de chuva quem passa desprotegido.
Pouco a pouco, pouco tempo depois das 9, já o recheio transborda para o exterior. Na porta, cabides penduram camisolas, camisas, fatos e licras, convenientes a qualquer bolso. Sim a qualquer bolso. Falta apenas tempo para parar e ficar inebriado pela algazarra de texturas e brilhos. Pouco depois das 9, o meu autocarro arranca, o semáforo abre e sigo viagem. Amanhã passo lá de certeza.
27 de janeiro de 2010
dia diferente
Continua a fazer frio e a chuva parou.
Os autocarros continuam a demorar a passar e os peões atravessam sem esperar a sua vez.
As pessoas cruzam-se na rua, tocam-se e continuam a não se conhecerem.
O domingo demora muito a chegar e a quarta-feira é agonizante.
As cartas de amor aparecem sobre a forma de mensagem e os selos custam a ser comprados.
Se hoje o dia não for diferente, amanhã poderá então chover e deixar de fazer frio... vamos ver.
25 de janeiro de 2010
Paciência
20 de janeiro de 2010
12 de janeiro de 2010
Histórias de Cama
São histórias de desenhos no corpo, sinais mudos de trocas não controladas e dispersões imersas no quente. Histórias que nunca são contadas, são partilhadas, vividas e compensadas no momento com um sorriso, uma gargalhada bem alta e extensa que promete, de imediato, outra história.
Apetecem histórias.
Conta.